sábado, 1 de dezembro de 2007

A BÊBADA...




Trazendo no rosto, marcado pelos anos, a angústia infinda dos que sofrem, ela falava, falava... E ninguém a ouvia...
Todos sabiam quem ela era, mas todos pareciam ter esquecido quem ela foi...
Num dos arrancos normais no cambalear dos que bebem muito, ela foi atirada bem ao meu lado...
Então eu pude repará-la! Os olhos semicerrados, a cabeça mexia num constante vai e vem como se fosse desprender a qualquer momento do resto do corpo.
Havia marcas implacáveis de sofrimento contornando todo seu rosto. Sempre podemos ver o fracasso de um mortal e a decadência na qual ele chora e sofre, na insegurança dos inconstantes e na fraqueza dos covardes...
Observei que ela tinha o aspecto do fracasso, inconstância dos inseguros e a inflexibilidade dos medrosos...
Por alguns instantes, ela ficou ali sentada como se ao seu lado não houvesse ninguém.
Vez ou outra balbuciava frases, cujo sentido real eu não conseguia entender.
-- Quem pode procurar flores se desconhece o que seja um jardim?
As sombras de pequenas ilusões hospedam-se em nossas almas e fazem morrer nossas emoções.
Para que voltar ao ponto de partida, se já não sinto àquela vontade incontida de edificar o que imaginei?
De que adianta fingir se a minha face está marcada pela dor dos sofrimentos profundos que vivenciei?


O desânimo tomou a forma de melancolia e já não posso distinguir entre a noite e o dia qual é o mais longo...

De repente ela se virou para mim e olhou-me bem nos olhos, como se tentasse penetrar no meu interior, e disse:
-Bêbada! Você é uma bêbada!

Fiquei terrivelmente chocada com a agressividade daquela mulherzinha vulgar.
Levantei-me apressadamente e, apavorada, me dirigi a primeira pessoa que encontrei, e disse:
--Escuta aqui, aquela mulher ali, está embriagada e está se comportando de forma inconveniente. É necessário tirá-la daqui o mais rápido possível.

-- Que mulher? Ali só há um espelho...

“Você está bêbada!”.



Mariluci Carvalho de Souza

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